domingo, 29 de outubro de 2006

Um fim-de-semana em missão

Desta vez um artigo da Sónia Cruz... amei!


UM FIM-DE-SEMANA EM MISSÃO

Ping, ping, ping, ping…
Quatro da manhã, está a chover…
Ping, ping, ping, ping…
Seis da manhã, toca o despertador e continua a chover…
Está na hora de levantar, é dia de partir para o Gungo…
Espreito pela janela e sinto o cheiro a terra molhada.
Tudo está preparado: o material de som, a caixa da missa, da comida, dos medicamentos, do material escolar, os primeiros socorros, os colchões, algumas ferramentas e as nossas malas…
O mata-bicho já está na mesa, cada um no seu lugar recebe um miminho da Vera… “que bom, dois quadrados de chocolate e uma mensagem reconfortante”.
Antes de partir, ainda há tempo para a nossa oração, um dos momentos em que nos sentimos unidos a todos vocês.
Jipe carregado, muita lama, mas ainda é preciso mudar um pneu…
Não há ida para o Gungo que não tenha alguém a precisar de boleia, desta vez foi o catequista Simão e o seu filhote Agostinho…
Como estará a picada com esta chuva?
Novamente um caminho, uma estrada conhecida, mas sempre uma viagem diferente. O que foi que mudou desta vez?
Em Portugal quando chega a chuva, chega também a queda das folhas, o frio, as roupas quentes, a lareira acesa, um chocolate quente…, aqui é impressionante, é sentir de perto a riqueza desta terra. Com pouca chuva, de um dia para o outro tudo muda… a terra está a mudar de roupa…
Ao entrarmos na picada, chega-nos um cheirinho a caramelo misturado com terra… é impossível fazer-vos chegar todos estes cheiros, como gostava que os sentissem… e o cheiro da flor do café? Hum, que perfume!
Os meus amigos embondeiros vão mostrando o outro lado da sua beleza, nunca duvidei do seu interior, parece Primavera.
Do capim seco nascem novas folhas, o musical das aves aumentou o seu volume, lindo, não param de andar de um lado para o outro, estão cada vez mais bonitos e com cores novas…
Imaginem o céu encoberto do Outono, a chuva do Inverno, a beleza da Primavera e o calor do Verão tudo num só dia, tudo num só momento…
Eram já muitas as pessoas que andavam nas suas lavras, a tratar das sementeiras… assim que caem as primeiras chuvas, há que colocar a semente na terra e deixar crescer, não é preciso muito mais, apenas ter o cuidado de durante o dia as perdizes não as comerem e à noite os ratos… nada de pesticidas, adubos… sol e alguma chuva é o suficiente…
Muito se dançou dentro do jipe… vira para um lado, vira para o outro… “vai virar”, dizia eu, é claro que não vira, só dança… e bem que dança…
Chegamos à “Ponte dos Engenheiros”, foi baptizada assim por nós, porque sempre que alguém passa muda os paus da ponte, como melhor acha que dá para passar… é uma aventura… Cada vez sentimos mais o respeito que devemos ter por esta picada…
Já estão cansados? A viagem ainda não acabou.
Falta pouco para chegar à Chipinga…
Que bicho é aquele que aquela menina leva na mão?
É uma rapaca. Não, é um pau.
É um canta-pedra, parecido com um rato, do tamanho de um coelho…
Foste tu que o mataste?
Sim, com uma pedra…
Quando estas duas meninas chegarem a casa a mãe certamente ficará contente, “hoje vamos comer carne”… é uma alegria quando se consegue ter um animal destes para comer… é a sobrevivência por estas terras…
Foi um fim-de-semana cheio de coisas novas.
O Sábado ainda não tinha acabado, quando à noite assistimos a um belo espectáculo no céu…
“Somos mesmo muito bonitos… Alguém nos anda a tirar fotos lá de cima”.
Não vos quero cansar mais os olhos, só preciso acrescentar mais alguns momentos marcantes: os olhos brilhantes e curiosos das crianças durante a Eucaristia logo pela manhã, que apesar da chuva e da distância das aldeias foram muitos os que se deslocaram até à missão…
Após o almoço, o regresso até ao Sumbe, o regresso à realidade da cidade… o tempo ajudou e o Sol mostrou-nos o seu sorriso quentinho…
Mal sabíamos o que nos esperava ainda…
“Senhor padre, não sei se consegue passar na picada, um IFA “cambalhotou” e está atravessado…”
Mais à frente encontrámos o administrador a subir… “Não sei se passa senhor padre, eu tive que voltar…”
Andámos mais um pouco e parámos o carro para ir a pé, ver a situação…
De rodas no ar, lá estava o IFA virado e atravessado na picada com toda a sua carga espalhada (enxadas e catanas) … Felizmente ninguém se tinha magoado.
Viram-se as melhores possibilidade… achámos que passaria, dando um jeito à carga…
Padre Vítor dentro do jipe, padre David a dar as indicações, a Vera a filmar e eu a fotografar com a Catarina… devagar, devagarinho, vai à frente, vem atrás, direita, esquerda, põe pedra, tira pedra… conseguimos ultrapassar mais um obstáculo, parecia uma cena de um filme... Uma hora que ali demorámos…
Deu tempo para tudo, até para eu fotografar umas borboletas grandes e lindas…
Amanhã começa mais um dia de trabalho na construção da casa e para as cozinheiras que “alimentam” 7 trabalhadores, um mestre, dois padres e ainda as próprias cozinheiras (nós)…
É hora de descansar, é tempo de acabar este artigo, é o momento de fechar os olhos e viajar de trocarmos sorrisos, os nossos e os vossos…
Estamos Juntos

Sumbe, 29 de Outubro de 2006
Sónia Cruz

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